quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Do Crime ao Clube

A independência na música rock, em Santa Catarina, acontece desde as primeiras bandas e poucas vezes conseguiram apoio midiático ou governamental. Mesmo quando conseguem, não é de maneira satisfatória para que os músicos possam manter-se por muito tempo apenas de suas criações.
 Nos anos de 1980, bandas já encontravam dificuldades em divulgar seu material e patrocínio para a confecção de novos discos. Nesta década, o melhor modo de divulgar novas músicas, era através de festivais e discos, sendo muito custosa a gravação dos mesmos, já que eram ainda no formato LP, de material caro e Florianópolis não possuía estúdio de gravação para este tipo de trabalho. Desta forma, uma das maneiras de se conseguir maior espaço, era a organização de várias bandas para discos coletâneas, chamados pau-de-sebo, pois através deles se percebia a resposta do público consumidor em determinadas bandas.
 Em 1984 o selo RBS-Discos lança o álbum Som da Gente, lançando algumas bandas que já faziam um relativo sucesso em Santa Catarina, como Grupo Engenho, Expresso Rural ou o cantor lageano Beto Mondadori. Porém, em 1985 surgem as primeiras tentativas de forma independente de agrupar novos talentos, divulgando assim a música voltada para um público jovem feita em Florianópolis. Destaco dois grandes projetos o Projeto Ilha e Crime Perfeito, elaborados pelos próprios músicos.
O Projeto Ilha, gravado e produzido no Estúdio Mix, em São José, de Chico Thives, ex-Grupo Engenho, trazia músicas, além do próprio Chico, de grupos como Camisa de Força, Seixo Rolado, Século Astral, Anjo, Sobrinhos de Beethoven (este tinha como tecladista Carlos Trilha, que depois tocou com Tubarão), além do cantor e compositor Rogério Orozko, que depois gravou um disco solo. Esta pode ser considerada a primeira tentativa independente de grupos se firmarem no cenário rock da cidade. Independente, pois foram as próprias bandas que arcaram com os custos do projeto, e a distribuição foi feita pelos mesmos nas lojas. Em 1987 sai uma continuação, o Projeto Ilha II, mas enfocando trabalhos solos com apenas duas bandas na coletânea.
Outro disco coletânea que merece destaque é o Crime Perfeito. Idealizado por Daniel Lucena (na época fora do Expresso, tentando carreira solo), Beto Mondadori e Ricardo Pilatti, convidam várias bandas com sucesso em Florianópolis para a gravação do projeto. Uma coletânea com os principais músicos que se identificaram com o padrão estético musical do rock oitentista, pós-punk principalmente as levadas de New Wave, como as bandas Decalco Mania, Alta Voltagem, Vanaheim, Olho D’água e Big Ben, além de músicos solos como Beto Mondadori, Daniel Lucena e Fernando Bahia. A canção principal do disco, “Crime Perfeito”, é uma grande festa com todos os cantores fazendo o vocal de cada estrofe e cantando, juntos, o refrão. Semelhante aos projetos de ajuda humanitários famosos nos anos 80, mas com grande irreverência por parte dos integrantes, demonstrando sua luta para conseguir manter o rock ilhéu:
Crime Perfeito
Com tanta campanha no mundo
A nossa turma sem fundo
Também quer o direitcho
(...)
E com essa fome tamanha
Aqui vai uma campanha
Em nosso próprio proveitcho
(...)

É tão gostoso pensar
Que a gente vai fabricar
Um disco do nosso jeitcho
Podendo barbarizar
E sem aviso trocar
Segundo nosso conceitcho
A grana que pintar
A gente pode aplicar
Em outro crime perfeitcho

We are the Estreitcho, we are the Estreitcho

Enquanto nos anos 1980 o rock brasileiro prevaleceu no New Wave, na década posterior os músicos mesclavam o pop/rock com levadas de guitarra mas preocupados com a regionalidade. Maior exemplo disso pode ser o Chico Scienci & Nação Zumbi de Pernambuco líderes do movimento MangueBeat. Explodem na mídia, viram sucesso nacional e demonstram uma nova fase do rock brasileiro. O grupo RBS passa a apoiar os rapazes do Dazaranha, considerados os precursores do Manébeat, ritmo que mistura rock com sons da Ilha de Santa Catarina. Sobre este movimento Tatyana Jacques ressalta que: “o movimento visava a construção de uma identidade regional, local, por meio da música a partir do resgate de elementos percebidos pelos músicos como próprios da cultura de Florianópolis. Entre esses elementos, figura a idéia de açorianidade, presente no próprio nome do movimento, que significa ‘batida do mané’ . Assim, a partir da acentuação do ‘local’ frente ao ‘global’, essas bandas, de características musicais diversas, buscam ‘projetar Florianópolis musicalmente em todo o território nacional’”.

Infelizmente o movimento ManéBeat, não passou de uma nomenclatura, uma tentativa de padronizar uma música feita na Ilha, mas uma música não padronizável. Bandas de ritmos muito diferentes como Dazaranha e John Bala Jones eram considerados parte deste conjunto, sendo que possuem diferenças rítmicas e harmônicas claras para terem uma mesma definição.
Banda DAzaranha. Uns dos representantes do ManéBeat

Com o movimento musical em Florianópolis amornando no início do novo século, mas com novas bandas se formando, acontecem novas tentativas de reunir conjuntos para se fortalecerem e conseguirem espaço. Destas tentativas ressalto um que aconteceu, entre 2006 e 2009, o movimento musical Clube da Luta.
O Clube da Luta se diferencia dos movimentos criados durante os anos 1980 não apenas no estilo musical, mas nas formas de divulgação de seu trabalho e alcance do trabalho. Enquanto o Crime Perfeito se limitou em apenas um disco, poucos shows em teatros e teve somente bandas de Florianópolis; o Clube da Luta teve como principais locais de shows bares e lugares diretamente preparados para shows musicais, como o Fios e Formas e, por mais tempo (2007-2009), o Célula Cultural Mané Paulo (os dois em Florianópolis), porém algumas apresentações fora do Mundo 48, não gravaram nenhum disco ou coletânea, apenas criaram um perfil no site MySpace e um site do movimento para divulgação e com uma música de cada banda integrante. Interessante ressaltar que, além das bandas integrantes, eram convidadas outras bandas para a divulgação e estes grupos algumas vezes eram de outras partes do estado, como Lenzi Brothers do Mundo 47 ou Terminal Guadalupe de Curitiba, atravessando a fronteira de nosso estado.

Muitos criticaram, e ainda criticam o Clube. Alegam que é uma “panelinha” de Florianópolis, em que só bandas amigas do Clube podem tocar, fortalecendo algumas e deixando de lado outras. Sobre isto, expresso a resposta de André Guesser do Samambaia Sound Club no blog do Marquinhos: Quem acha que o Clube da Luta é feito por amigos está certo e nunca negamos isso. Em todas as entrevistas, bate papos, shows, o Clube da Luta sempre deixou claro que surgiu da reunião de músicos e amigos que queriam um lugar pra tocar, misturar público e se divertir acima de tudo. O Clube surgiu com Tijuquera, Andrey e a Baba, Sociedade Soul, Samambaia Sound Club, Aerocirco, Os Berbigão, Missiva e Kronix, sem pretensão alguma, simplesmente pra curtir um som, mostrar a música autoral. Algumas dessas nem mais estão conosco, mas continuam batalhando. (...) Esse papinho de que só entra as bandas dos amigos é mentira, cai por terra porque Maltines, Da Caverna, Jeremias Sem Cão, Ilha de Nós, John Bala Jones, são bandas que no início não faziam parte da idéia central, não estavam na reunião dos amigos.
Clube da Luta

Em 2009 com o fim do Clube da Luta, novos movimentos vão surgindo para criar novos agrupamentos de músicos. Os integrantes do Da Caverna formam uma cooperativa ligada ao festival Rural Rock Fest que acontece anualmente desde 2000 (apenas em 2009 não ocorreu), com a participação de várias bandas da região, mas no festival a participação é aberta para bandas novas, uma forma de conhecerem o trabalho de quem está começando.
Outro movimento que merece destaque é a Confraria do Rock. Idealizado pelo professor de música Clóvis Reis, tem caráter educativo e organizador para bandas que estão começando. Além de tocarem juntos e trocarem idéias sobre repertório, nos encontros há espaço para discussão de temas ligados à música como: arranjo, produção musical, divulgação, história da música catarinense ou composição. Como tem a perspectiva de auxiliar novos conjuntos, alguns “padrinhos” dão suporte para as discussões como a Escola de Música Rafael Bastos, o Estúdio Pimenta do Reino e vários convidados para palestras como os jornalistas Alexandre Gonçalves, do site RockSC e Marcos Espíndola, colunista do Diário Catarinense.
Confraria do Rock















Um comentário:

  1. Nas melhores palavras do nosso produtor: "Massa".
    Autas iniciativa manu.

    Uma coisa que ando refletindo a algum tempo e que você colocou no texto. Nós, brasileiros sempre esperamos ou cobramos apoio do governo para fazer alguma coisa (qualquer coisa), principalmente alguma coisa ligada a arte e entretenimento.

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